sábado, 1 de outubro de 2011

ESCUTATRIA

Do genial Bubem Alves, lá das Minas Gerais – BR.
Há! Como seria bom se soubéssemos fazer isso... E aplicar nas nossas reuniões... Leia com calma para sentir.
Sempre vi anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de Escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que... “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias dentro da cabeça sobre como são as coisas. Para server é preciso que a cabeça esteja vazia.”

Parafraseando o Alberto Caeito: Não é bastante ter ouvido para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade... A gente não aquenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que a ele tem a dizer não fosse digno de descansada consideração... E precisasse ser completada com aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor...

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância. No fundo somos mais bonitos... somos mais...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos... Pensamentos que ele julgava essenciais e que para os outro são estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades. Primeira: - Fiquei em silêncio somente por delicadeza... Na verdade não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Então falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou, mas, isso que você falou como novidade, eu já pensei há muito tempo. Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo, o que é pior do que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: estou ponderando cuidadosamente tudo àquilo que você falou. E assim, segue a reunião.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamento. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conheceu a experiência... E se referia a algo que se ouve nos intervalos das palavras...

A música acontece no silêncio. Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano ficam assentados em silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos, dos falatórios e dos saberes da filosofia ouvimos melodias que não existem e que de tão lindas nos faz chorar... Prá mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio!... Daí a importância de saber ouvir os outros... A beleza está na comunhão, que é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

(Rubem Alves)